quinta-feira, 24 de abril de 2008

A verdade e as formas jurídicas

image Se o positivismo jurídico, e com ele o direito, estabeleceu-se nos termos de uma teoria semântica, não é de se estranhar que filósofos como Michel FOUCAULT dele se ocupasse.

Em um opúsculo não menos importante no conjunto de sua obra chamado A verdade e as formas jurídicas, FOUCAULT investiga as relações subjacentes à linguagem objeto e metalinguagem. Traçan um paralelo entre modelo de produção da verdade dentro do contexto das práticas judiciárias, revelando como as formas jurídicas se conformam aos modos de circulação de bens.

Ele destaca que a riqueza dos séculos XVI e XVII era constituída pela fortuna em terras. No entanto, no século XVIII surge um novo tipo de riqueza, um novo tipo de materialidade investida em mercadorias, estoques, máquinas, oficinas, matérias primas, etc.

Estabelece então uma trajetória  que trouxe à sociedade a idéia de que o controle disciplinar dos indivíduos se dá através da vigilância, um esforço preventivo do Estado e da sociedade.

O procedimento de estabelecimento da verdade foi substituído pelo sistema de inquérito, coincidentemente com a ascensão da burguesia e a imposição da circulação de bens.

A verdade associada ao modo de produção e às mudanças no aparelho do Estado, atingem as práticas judiciárias, dizendo que para que existam as relações de produção, próprio das sociedades capitalistas, é necessário que existam determinações econômicas, relações de poder e formas de funcionamento do saber.

Na Idade Média, o sistema de provas para se obter a verdade consistia em um sistema de perquirição prospectiva, na medida em que o grau de envolvimento do acusado se fazia com base no seu depoimento, cujas peças de sustentação eram seus títulos, o testemunho de notáveis e poderosos, e não propriamente uma investigação.

Era uma maneira de provar não propriamente a verdade, mas a força e a importância de quem dizia. Entre as características desse sistema  está o caráter quase que privado a ação, uma vez que disputa era travada entre o queixoso e seu adversário, a autoridade limitava-se à apreciação da lisura dos procedimentos. Havia uma disputa de prestígio e força e o acordo era uma espécie de transação que tinha por fim estancar futuras perdas.

O autor demonstra que a definição de verdade, valor que deve estar acima das paixões, não escapa às injunções do poder/saber. Aqueles que querem estabelecer uma relação entre o que é conhecido e as formas sociais, políticas e econômicas, procuram estabelecer esta relação por intermédio da consciência ou do sujeito de conhecimento. E, no final do último século, a verdade e as formas, ainda que de modo desigual, significam o pôr em causa a própria forma de inteligibilidade do real que um dado paradigma proporciona e não apenas os instrumentos metodológicos que lhe dão acesso. O pensamento de Foucault contribui para o estranhamento das instituições, procedimentos e conteúdos jurídicos existentes, na medida em que demonstra que toda e qualquer relação social está baseada em relações de poder. Ou seja, o social está intimamente ligado ao poder, e portanto o direito, enquanto fruto social, reflete esta relação assimétrica, e sua concepção de hermenêutica atua na descaracterização do discurso jurídico como isento e imparcial.